O uso de álcool e outras drogas pela humanidade é tão antigo como a própria civilização. Drogas sempre existiram, bem como a busca do ser humano por substâncias/situações que o fizesse transcender e mudar sua percepção da realidade. No entanto, diante do aumento crescente da população mundial, do comércio lucrativo representado por tais substâncias e do estilo de vida moderno marcado por pressões diversas, uma explosão no número de pessoas usuárias e dependentes de substâncias psicoativas passou a representar um sério problema de saúde pública, com repercussões em questões que envolvem problemas sociais, segurança pública e economia. Poucos refletem sobre isso, mas todos, sem exceção, somos atingidos pelo flagelo das drogas, quer seja de forma direta ou indireta.
A dependência é algo que pode levar anos para se desenvolver, e em sua maioria, constitui o que em psicanálise chamamos de doença egossintônica, ou seja, a pessoa que está acometida não a percebe em si, por isso é tão frequente o quadro de negação completa da situação. É muito comum ouvir de uma pessoa dependente a frase “Uso quando quero e paro quando quero”, ainda que um olhar mais próximo de sua vida demonstre total incontrolabilidade da situação. Muitas vezes as pessoas próximas, sobretudo amigos e familiares, também entram em negação ou minimização da situação, o que apenas contribui para o agravamento do quadro. Para realizar o diagnóstico, leva-se em consideração o nível de dependência, sendo que quando não tratada, a dependência se agrava, ou seja, de um quadro leve pode passar a ser moderado, chegar a ser grave e mesmo levar à morte ou a sequelas irreversíveis. Para realizar o diagnóstico verifica-se a existência dos seguintes sinais e sintomas:
– uso em quantidades progressivamente maiores ou por mais tempo que o planejado
– desejo persistente ou incapacidade de controlar o desejo de usar a substância
– gasto importante de tempo em atividades para obter a substância
– fissura importante
– deixar de desempenhar atividades sociais, ocupacionais ou familiares devido ao uso
– continuar o uso apesar de apresentar problemas sociais, profissionais ou interpessoais
– restrição do repertório de vida em função do uso (deixa de lado atividades prazerosas ou socialmente importantes para fazer uso ou para lidar com problemas ligados ao uso)
– manutenção do uso apesar de prejuízos físicos
– uso em situações de exposição a risco
– tolerância (usar doses cada vez maiores)
– presença de sintomas de abstinência na ausência ou diminuição da substância
Para verificar o nível de dependência considera-se a presença de tais sinais/sintomas pelo período de pelo menos um ano, mas mais importante que a freqüência e quantidade de droga utilizada é avaliar os problemas que o uso tem causado na vida da pessoa e daqueles que convivem com ela.
Uma vez realizado o diagnóstico, temos um longo caminho pela frente em busca da recuperação. O tratamento envolve a utilização de vários recursos, sendo indispensável acompanhamento psiquiátrico, sobretudo para o tratamento das comorbidades associadas à dependência química (depressão, ansiedade e transtorno bipolar estão entre os mais prevalentes), acompanhamento psicológico e frequência em grupos de mútua ajuda. Outra meta importante do tratamento é agir preventivamente buscando diminuir a frequência das recaídas que tendem a acontecer ao longo do tratamento até que a pessoa atinja o que denomina-se saída estável da dependência química, o que pode levar anos. Além do próprio dependente, toda família também adoece desenvolvendo um quadro que chamamos de co-dependência, caracterizado por grande sofrimento e disfuncionalidade familiar. Tanto quanto o dependente, a família precisa de acolhimento, compreensão e tratamento.
Em pesquisa divulgada em 2013 pela Unifesp sobre o consumo de maconha, cocaína e ingestão de bebidas alcóolicas pelos brasileiros, pode-se constatar que 5,7% dos brasileiros são dependentes de drogas, índice que representa mais de 8 milhões de pessoas. . Ainda segundo a pesquisa, 28 milhões têm algum parente dependente químico. Esses números deixam claro que trata-se de um problema grave e abrangente, que está muito próximo de todos nós. A negação da gravidade do problema, quer seja pelo próprio dependente, pela família e até mesmo por parte da sociedade, só aumenta as consequências com as quais teremos que lidar. Passou da hora da sociedade se envolver em debates sérios sobre a questão, levando em consideração a opinião de especialistas e pesquisadores, para que políticas públicas de prevenção, combate e tratamento sejam implementadas. Sair do discurso moral e contextualizar o uso de álcool e outras drogas considerando-o como um problema de saúde pública é a alternativa viável que nos resta para o enfrentamento social desse grave e crescente problema. Em nível individual/familiar, ao enfrentar um problema ligado ao uso de álcool/drogas procure ajuda com profissionais especializados, o mais importante é reconhecer a existência do problema, aceitar ajuda e principalmente não desistir. O tratamento envolve mudanças significativas no estilo de vida, e embora não seja um caminho fácil, a recuperação é possível.